Durante uma sessão de musicoterapia no Hospital Psiquiátrico São Pedro, presenciei a convulsão de uma paciente (11), assistida por dois residentes da psiquiatria. Ao observar a cena, questionei-os se ela estava medicada. Diante da resposta afirmativa, indaguei se ainda havia recursos para atendê-la, ou seja, tirá-la daquele estado de automutilação e agressividade, ao que obtive a seguinte resposta: – “não há mais o que fazer!”. Diante do argumento, do silêncio gerado pela situação e da minha inconformidade, recorri ao instrumento rico em harmônicos - campo da acústica -, de especial sonoridade: a kalimba – instrumento milenar originário da cultura africana, podendo-se associar sua característica ao som de água (placenta). Aproximei-me da menina, realizando uma intervenção sonora (não-verbal) com andamentos estável, decrescente e breves pausas. A experiência de diminuição de andamento musical - ralentando -, que causa acentuado desconforto psicológico no ouvinte, se isso acontecer de forma intencional ou repentina ao longo do discurso musical. Diante desse cenário, da aproximação da fonte sonora, a menina percebeu minha presença; olhou para mim; para a kalimba; mudou o comportamento sentando e recostando-se imediatamente no sofá que havia logo atrás. Manteve-se acordada olhando ao redor, eventualmente olhava a kalimba permanecendo ali e aos poucos mudando o comportamento. A intervenção teve duração inferior a um minuto. O evento causou surpresa não só em mim, mas também nos enfermeiros e médicos que a acompanhavam.
Esta experiência me fez pesquisar mais a respeito da kalimba nos atendimentos na ONG Aporta, verificando o quê suscitava nas pessoas o efeito sonoro deste instrumento pensando neste estímulo diante do imaginário sonoro ou na memória.
A Kalimba atualizada aos dias de hoje; feita de lata de atum!
Em outro evento, também na ala psiquiátrica do mesmo hospital...
A enfermeira responsável pelo setor dos adolescentes, disse ao meu ouvido que um garoto havia colocado na boca um grampo pontiagudo que estava sobre sua mesa e que tentara persuadi-lo a devolver, sem sucesso. Temendo que pudesse engoli-lo, já que estava sob medicação psicoativa, indicou-me a qual garoto se referia. Diante da difícil tarefa a mim dada, o primeiro pensamento estratégico que passou na minha mente foi me aproximar dele com o violão. Comecei a tocar, em seguida ao mesmo tempo em que dedilhava o violão, disse à ele que sabia que portava tal objeto. Propus então que poderia me devolver o grampo durante a música, quando eu estendesse a mão para que me desse o grampo. Diante disso, improvisei uma melodia com sons harmônicos, uma sequência de acordes de subdominante V (vide funções harmônicas), dominante - V7, sensível - VII, com uma intensidade moderada para causar-lhe primeiramente conforto e acolhimento, depois aumento de tensão e desconforto para finalizar com uma resolução deceptiva - VIm 6. Sustentei esta sonoridade apenas com a mão esquerda, enquanto estendi a mão direita para que me devolvesse o grampo; ao que ele prontamente o fez. Concluindo a experiência agradeci tocando um bom acorde conclusivo - centro tonal I, repousante, para ambos!
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